Há poucos meses, Rafael* e Soraia*, moradores de Presidente Médici, Rondônia, celebravam com entusiasmo a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos. Imigrantes sem documentação vivendo na Flórida, acreditavam que o republicano traria segurança, empregos e estabilidade para famílias como a deles. Hoje, enfrentam uma dura realidade após serem deportados junto com o filho de 4 anos em uma ação rápida do governo americano.
Rafael, de 36 anos, trabalhava na construção civil em Deerfield Beach, ganhando cerca de US$ 200 por dia. Evangélico e conservador, acreditava que, por ser trabalhador e sem antecedentes criminais, não seria alvo das políticas migratórias mais rígidas de Trump. “Tem muito criminoso que vem de outros lugares. Mas eu não, porque sou trabalhador”, dizia meses antes da deportação.
A ilusão, no entanto, desmoronou em abril, quando agentes do ICE (Serviço de Imigração e Alfândega dos EUA) convocaram a família para uma suposta reunião sobre o processo migratório. Ao chegarem ao local, tiveram os celulares apreendidos e foram informados de que estavam sendo deportados. Em 48 horas, estavam de volta ao Brasil — sem sequer poder retornar para casa ou recolher seus pertences.
Hoje, moram em um pequeno quarto na casa da sogra de Rafael, em Presidente Médici. O sustento vem da aposentadoria do pai de Rafael. O casal enfrenta dificuldades emocionais e financeiras. “Ele não é de chorar, mas anda calado pelos cantos”, relata Soraia.
Além do impacto emocional, o retorno forçado agravou a situação de saúde de Soraia, que sofre de uma doença autoimune rara e vinha sendo tratada com um medicamento experimental nos EUA. A médica do hospital público em Médici nunca tinha ouvido falar na enfermidade e precisou pesquisar no CID para entender do que se tratava. Agora, Soraia aguarda por uma consulta com um especialista no SUS, sem previsão de atendimento.
Durante o período nos EUA, Rafael já vinha sendo monitorado por uma tornozeleira eletrônica. “Se soubéssemos que seria assim, teria dito para arrancarmos a tornozeleira e sumirmos”, lamenta Soraia. Ela conta que chegaram a cogitar mudar de estado, buscando locais menos hostis a imigrantes, mas Rafael insistiu em seguir colaborando com as autoridades.
A “caça” aos imigrantes
O drama de Rafael e Soraia é apenas mais um entre milhares de histórias semelhantes. Estima-se que pelo menos 230 mil brasileiros vivam ilegalmente nos Estados Unidos. Muitos, como Rafael, apoiaram ativamente a campanha de Trump — mesmo diante de promessas explícitas de deportações em massa. “Ele só está cumprindo o que prometeu. Mas ninguém acreditava que ia chegar nesse nível”, comenta um brasileiro indocumentado que vive em Massachusetts.
Consultorias como a Legacy Imigra, que assessoram imigrantes brasileiros nos EUA, relatam aumento explosivo na procura por apoio legal desde o início do novo governo Trump. “Quatro em cada cinco clientes brasileiros apoiaram Trump. Agora estão chocados com as consequências. O brasileiro se vê como honesto, mas entrou de forma desonesta e pagou pra ver”, explica Vinicius Rosa, diretor da empresa.
Desde o início de 2025, os EUA intensificaram as deportações. Em abril, o ICE triplicou suas operações de busca por imigrantes, com apoio de forças policiais e até militares. O Brasil tem recebido voos com deportados a cada 15 dias, mais do que no período do governo Biden.
“2025, ano profético”
Na virada do ano, Soraia postou uma foto com o marido e o filho, todos com camisetas que diziam “2025, ano profético”. Hoje, a legenda no perfil do WhatsApp revela o novo estado de espírito da família: “Senhor meu Deus, não desista de mim”.
Com dívidas de cerca de R$ 50 mil com o coiote que os ajudou a cruzar a fronteira entre o México e os EUA, a família recomeça a vida “abaixo do zero”. Enquanto procuram emprego, lidam com o trauma da perda do sonho americano — e com as marcas deixadas por uma escolha política que, ironicamente, os colocou de volta ao ponto de partida.
*Nomes alterados para preservar a identidade dos envolvidos.
Com informações UOL*