O cenário político de Rondônia ganhou novos contornos de tensão após o vice-governador Sérgio Gonçalves (PL) ingressar, com ação direta de inconstitucionalidade contra a emenda promulgada pela Assembleia Legislativa que permite ao governador Marcos Rocha (União Brasil) despachar oficialmente fora do território estadual quando julgar necessário.
A medida judicial, apresentada ao Tribunal de Justiça de Rondônia, sustenta que a alteração no artigo 64 da Constituição Estadual, aprovada em tempo recorde, por 16 votos a 7, fere o princípio da indisponibilidade da função pública e cria “cheque em branco” para o chefe do Executivo ausentar-se do Estado sem prévia licença legislativa.
Se até a semana passada se falava em “mal-entendido superável”, a ofensiva de Gonçalves praticamente enterra qualquer tentativa de reconciliação entre governador e vice. Fontes próximas ao Palácio Rio Madeira confirmaram que Marcos Rocha recebeu a notícia como um ato de traição, sobretudo porque foi ele quem escolheu pessoalmente o ex-secretário de Finanças para compor a chapa à reeleição em 2022.
“Quando o próprio vice cobra judicialmente a constitucionalidade de uma lei que beneficiaria o governador, o desgaste deixa o campo privado e ganha as ruas. O diálogo fica extremamente difícil”, avalia um articulador político ouvido pela reportagem.
Possíveis desdobramentos
- Substituição no secretariado – Sérgio Gonçalves comanda a Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sedec). A expectativa é de que Rocha anuncie, ainda esta semana, a exoneração do vice do cargo para estancar o desgaste interno.
- Plano Senado ameaçado – A emenda foi interpretada como “porta de escape” para que Marcos Rocha deixasse o governo em abril de 2026, a fim de concorrer a uma das duas vagas ao Senado, sem precisar renunciar previamente. Sem confiança no vice, aliados avaliam que ele pode desistir da candidatura e concluir o mandato.
- Efeito dominó sobre Luana Rocha – Com a possível permanência do marido no governo, a secretária estadual de Assistência Social e primeira-dama Luana Rocha ficaria impedida, pela legislação eleitoral, de disputar a Câmara Federal — frustrando um plano trabalhado desde 2023.
- Isolamento de Gonçalves – Fora do Executivo e sem a máquina administrativa, o vice teria de construir palanque praticamente do zero se quiser disputar o governo em 2026.
Analistas apontam que o impasse mina um arranjo político considerado vitorioso em 2022, Rocha reelegeu-se no primeiro turno com 52,5 % dos votos. “O Estado perde a sinergia de dois gestores que, unidos, poderiam acelerar projetos estruturantes”, resume o cientista político Raul Rufino, da Unir.
A ação de Sérgio Gonçalves será distribuída para um dos desembargadores do TJ-RO, que pode conceder ou não uma medida liminar suspendendo a emenda. Paralelamente, deputados da base governista avaliam contragolpe: há quem defenda a abertura de processo de impeachment do vice por “quebra de confiança e grave deslealdade institucional”.
Enquanto isso, a população assiste a um braço-de-ferro que ameaça redesenhar o tabuleiro eleitoral de 2026 e coloca em xeque a governabilidade em Rondônia. Para muitos observadores, “não tem mais volta” deixou de ser jargão e passou a descrever, com precisão, o novo e turbulento capítulo da política rondoniense.