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O que se sabe até agora sobre incêndio que destruiu Museu Nacional

Ilustrativa

Um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio, na noite deste domingo (2). Mais antigo do país e com acervo com mais de 20 milhões de peças, o museu passava por dificuldades financeiras geradas pelo corte em seu orçamento.

O fogo começou por volta das 19h30, depois que a visitação já havia sido encerrada -tanto do museu quanto do zoológico, que também fica na Quinta da Boa Vista. Não houve vítimas, de acordo com o Corpo de Bombeiros, que enviou cerca de 80 homens e 21 viaturas ao local.

Subordinada à UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), a instituição está instalada em um palacete imperial que completou 200 anos em junho –foi fundada por d. João 6º, em 6 de junho de 1818, e que também foi residência da família imperial brasileira.

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Com seguidos cortes no orçamento, desde 2014 o museu não vem recebendo a verba de R$ 520 mil anuais para sua manutenção e apresentava sinais visíveis de má conservação, como paredes descascadas e fios elétricos expostos.

A instituição não informou a extensão dos danos a seu acervo de mais de 20 milhões de itens com perfil acadêmico e científico. São coleções focadas em paleontologia, antropologia e etnologia biológica, entre outras. Menos de 1%, porém, estava exposto.

O museu guardava itens importantes como o meteorito do Bendegó, o maior já encontrado no país, e uma coleção de múmias egípcias –inclusive o crânio de Luzia, a mulher mais antiga das Américas. Além de coleções de vasos gregos e etruscos, e o primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.

A vice-diretora do Museu Nacional, Cristiana Serejo, disse que ainda não é possível avaliar a extensão dos danos, mas que acredita que praticamente todo o acervo foi destruído. Ela afirmou, porém, que as coleções de invertebrados, que estavam em um anexo, foram preservadas.

Serejo conseguiu salvar equipamentos de seu laboratório, que estava em uma ala que foi atingida pelo fogo mais tarde. “A gente arrombou uma porta e conseguiu tirar algumas coisas lá de dentro.” Também foi salva a coleção de tipos de malacologia, área que estuda os moluscos.

Ela disse que havia um plano para instalar equipamentos anti-incêndio, com recursos do contrato para revitalização do museu. “A gente tinha consciência da fragilidade do museu, mas não deu tempo”, disse ela, que está há 25 anos na instituição.

Do lado de fora, dezenas de pessoas acompanharam o trabalho dos bombeiros. Uma das frentes de atuação tentava isolar uma parte do edifício que ainda não havia sido atingida pelo fogo.

O comandante-geral dos bombeiros do Rio, Roberto Robadey, disse que o combate ao incêndio foi prejudicado por falta de água nos hidrantes próximos ao edifício.

Os bombeiros tiveram que apelar a caminhões-pipa e até para a água do lago na Quinta da Boa Vista. A área do museu tem dois hidrantes. “Tivemos dificuldade com a água porque os hidrantes estavam sem carga”, afirmou ele.

O comandante disse ainda que o tipo de construção e acervo contribuíram para a proporção do incêndio. “É um prédio antigo com grande carga de incêndio: muita madeira e o próprio acervo, que tem inclusive peças guardadas em álcool”, comentou.

Robadey disse que as primeiras análises indicam que não há risco de desabamento do prédio. “Os engenheiros analisaram e não veem risco por enquanto”, afirmou.

O palacete onde está instalado o museu não tem equipamentos de combate à incêndio previstos por lei. “É uma construção anterior à legislação e precisava se adequar”, disse o comandante. Segundo ele, a administração esteve reunida com a corporação recentemente para apresentar um plano de adequação.”É um prejuízo incalculável para a ciência e para a história do Brasil. A história brasileira está sendo queimada”, lamentou o professor de geologia João Wagner Alencar Castro, funcionário da UFRJ que chegou ao museu por volta das 21h30 para acompanhar a contenção dos danos.

Em maio, 10 das 30 salas de exposição estavam fechadas, incluindo algumas das mais populares, como a que guarda um esqueleto de baleia jubarte e a do Maxakalisaurus topai –o dinoprata, primeiro dinossauro de grande porte já montado no Brasil.

Para reabrir a sala, interditada havia cinco meses após um ataque de cupins, o museu armou uma campanha de financiamento coletivo na internet –e arrecadou R$ 58 mil, mais do que a meta de R$ 30 mil.

A decadência do prédio já era visível para os visitantes, que pagavam R$ 8 pelo ingresso. Muitas de suas paredes estavam descascadas, havia fios elétricos expostos e má conservação generalizada.

No bicentenário, a instituição celebrou com o BNDES um contrato de R$ 21,7 milhões para investir em restauração. Havia outra negociação milionária encaminhada para bancar uma grande exposição –a expectativa era de que cinco das principais salas fossem reabertas até 2019.

Em maio, Alexandre Kellner, diretor do museu, afirmou serem necessários R$ 300 milhões, ao longo de pelo menos uma década, para executar o Plano Diretor do museu. “A princesa Isabel brincava aqui, no jardim das princesas, que não está aberto ao público porque não tenho condições”, afirmou.

Historiadores lamentam perda de coleções científicas

“Não teve exposição histórica que eu tenha feito que não precisou pegar algo emprestado do Museu Nacional.” Assim o produtor Marcello Dantas, que foi diretor do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, resumiu a importância do acervo da instituição que pegou fogo no domingo (2).

Para ele, trata-se de uma “perda irreparável”. “Se quiserem refazer esse acervo, independentemente do cheque ou quantia de dinheiro que houver, não vão conseguir”.

Rosane Serro, coautora de projeto de comemoração dos 200 anos do museu em parceria com a própria instituição, disse que ele “estava em situação precária” e que essa condição era “muito visível”. “Havia falta de recurso e necessidade de investimentos”, diz.

A historiadora Heloísa Starling lembra que o início do Museu Nacional foi feito a partir da coleção da imperatriz Leopoldina. “Ela tinha um compromisso de ilustrar e fazer circular um conhecimento melhor sobre o Brasil. E vai fazer isso por meio da botânica e da zoologia. Ela mesma ia buscar as espécies”, conta.

Pelo Twitter, o presidente Michel Temer disse que é “incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional”. “Foram perdidos 200 anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros.”

Profissionais ligados à instituição afirmaram à Folha, porém, que o museu, durante o governo Temer, encontrou barreiras na Casa Civil e no MinC quando tentou levantar fundos para a celebração de seus 200 anos.

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, afirmou que o governo começará nesta segunda (3) o projeto de reconstrução do museu Nacional.

Em maio, o diretor do museu afirmou que último presidente a visitar a instituição foi Juscelino Kubitschek (1956-1961). “O Brasil não sabe da grandeza, da riqueza disso aqui. Se soubesse, não deixaria chegar neste estado”, disse Kellner, em maio.

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