“Eu não saio mais do debate público. Vou estar no debate público para sempre. Gosto desta arena, do debate das ideias. Acho que a gente tem que que superar o que tanto nos atrapalha hoje em dia, que é essa divisão do país, essa polarização, essa raiva que se criou entre quem pensa diferente”, acrescentou.
O titular do Caldeirão do Huck falou que sua intenção de contribuir para “um país mais justo” poderá ser cumprida a partir do ano que vem com a migração para o horário nobre da emissora aos domingos. Ele assumirá a faixa do Domingão do Faustão, após a saída de Faustão no fim deste ano.
“Tenho certeza que eu posso contribuir muito para o país estando nos domingos da Globo e fazendo um programa que se conecte com as pessoas, que ouça as pessoas, que traga a esperança de volta e resgate nossa autoestima. Mas isso não quer dizer que eu esteja fora do debate público”, reforçou.
O recuo simboliza um abalo no conjunto de partidos e forças políticas que tentam fabricar uma terceira via no autodenominado centro (ou “centro democrático”) para as eleições de 2022, hoje polarizadas entre o postulante à reeleição, Jair Bolsonaro (sem partido), e o ex-presidente Lula (PT).
O apresentador, que está engajado na articulação de uma alternativa aos dois polos, apareceu com 4% das intenções de voto em pesquisa Datafolha de maio, bem atrás do petista, que liderou, com 41%, e de Bolsonaro, o segundo colocado, com 23%.
Questionado por Bial se descarta a possibilidade de ser candidato a presidente no futuro, Huck respondeu: “Pedro, o futuro a Deus pertence. Eu nunca tive medo de nenhum desafio na minha vida. E eu quero contribuir”.
Sem mencionar pré-candidatos ao Planalto, Huck se esquivou de perguntas mais específicas sobre análise de cenário, sob a justificativa de que não é hora de debater o pleito ou nomes, mas ideias. “Dar nome aos bois seria fulanizar as soluções dos problemas. É jogar o debate numa vala mais rasa.”
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O Brasil precisa de projeto. Como é que alguém pode querer ser candidato a presidente da República em qualquer tempo se não tem projeto, se não sabe o que vai fazer?”, afirmou ele, que se opõe ao governo Bolsonaro, mas sofre críticas por ter feito declarações que sugeririam seu apoio ao então candidato.
Huck revelou a Bial ter votado em branco em 2018. “Acho que naquela circunstância é o que eu deveria ter feito e fiz com bastante tranquilidade”, disse, sobre o embate entre Bolsonaro e Fernando Haddad (PT).
“Dos dois candidatos que se apresentavam naquela época, eu não me sentia representado por nenhum dos dois. E achei melhor votar em branco. Foi o que eu fiz. Eu não me arrependo, eu votei em branco e votaria em branco de novo.”
Na sequência, contudo, e sem citar nomes, deu a entender que agiria diferente perante um novo dilema. “Neste momento, a gente não está falando sobre A ou B, sicrano ou beltrano. A gente está falando sobre quem defende a democracia e quem ataca a democracia. […] Eu estarei sempre, em qualquer tempo, do lado da democracia.”
O apresentador, que se descreveu como “um cara que não está na política”, comentou ainda a desistência da candidatura em 2018. Para ele, não seria um gesto responsável entrar na disputa naquela vez.
“Em 2018, eu disse não [à candidatura] porque o sistema estava sofrido, o establishment estava derretido. Talvez tivesse uma oportunidade ali. Mas eu não consigo enxergar um cargo dessa responsabilidade, desse tamanho, como uma oportunidade. Isso seria uma irresponsabilidade”, afirmou.
O apresentador disse ainda que continuará em um “projeto de cidadania ativa”, incentivando ideias e iniciativas como as organizações que pregam renovação política apoiadas por ele nos últimos anos, entre elas o movimento Agora! e a escola de formação de novos candidatos RenovaBR.
“Adoro reunir ideias, reunir pessoas, propor coisas, propor solução. Eu continuo na trajetória que eu sempre estive. A minha trajetória até hoje não foi partidária nem eleitoral. Ela foi política, porque a política é o que transforma. Nessa política eu acredito, e é ela que a gente tem que ocupar”, afirmou.
Nesse sentido, continuou Huck, a melhor contribuição que pode dar agora é como cidadão, “não como candidato a nada”. E completou: “Não é um projeto personalista, meu, ou um projeto político, partidário. Não. É um projeto de cidadania ativa”.
Nacionalmente conhecido –o que é uma característica desejável para qualquer interessado na corrida ao Planalto–, o comunicador costuma destacar a bagagem que adquiriu nas viagens que faz pelo Brasil para gravações de entrevistas com anônimos e quadros de seu programa vespertino.
“Estou há 21 anos na TV literalmente rodando o país inteiro por causa do Caldeirão e isso me colocou diante de uma realidade muito forte, que é a realidade deste país”, disse na entrevista desta quarta a Pedro Bial. “Acho que conhecer essa realidade do país me fez tentar buscar soluções.”
A decisão de se afastar do rol de presidenciáveis para 2022 foi resultado de uma soma de fatores, segundo pessoas próximas a Huck. Além da possibilidade de comandar um horário nobre e rentável aos domingos na emissora líder de audiência, pesou a conjuntura eleitoral, influenciada pela volta de Lula.
A decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), que reabilitou o ex-presidente, em março, criou um obstáculo nos planos desenhados por entusiastas de Huck, que o viam como um nome de oposição a Bolsonaro que poderia penetrar em camadas historicamente simpáticas ao PT.
Apresentando-se como defensor de uma agenda liberal na economia e progressista na área social, o apresentador explorou em palestras, artigos e postagens de redes sociais nos últimos tempos um receituário híbrido, evitando rótulos como esquerda e direita, que considera ultrapassados.
Amigos também vinham ponderando questões pessoais que poderiam levar à retirada, como o fato de que a vida pessoal e familiar do apresentador ficariam ainda mais expostas do que já são, e reflexos na carreira de sua mulher, a também apresentadora Angélica –ela, no entanto, nunca vetou a ideia.
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo em fevereiro, o entorno do apresentador lhe deu conselhos divergentes sobre o timing de uma eventual candidatura. Uma das hipóteses era a de que ele deveria esperar o quadro político desanuviar e verificar se seria possível alcançar um patamar confortável nas pesquisas.
O núcleo com o qual o apresentador vinha debatendo seu futuro reúne o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung (ex-MDB, PSB e PSDB), os cientistas políticos Ilona Szabó e Leandro Machado (do Agora!, um dos movimentos apoiados por Huck) e o empresário Eduardo Mufarej (da escola de formação de candidatos RenovaBR).
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) foi outro político experiente que incensou Huck nos últimos anos como opção para a Presidência e constantemente incluiu o novato na lista de “outsiders” viáveis. Analistas têm apontado, contudo, que essa onda veio e já perdeu espaço.
Em 2018, Huck também desistiu de avançar com uma candidatura à Presidência, após meses de conversas sobre o tema. Em fevereiro daquele ano, em um artigo na Folha de S.Paulo, ele reafirmou sua decisão de não concorrer, como já havia dito em texto publicado também no jornal em novembro de 2017.
Na época, as especulações e as pressões em torno de uma campanha ao Planalto até já tinham esfriado, mas retomaram o fôlego em janeiro, com uma participação dele no Domingão do Faustão, coincidentemente agora um dos fatores relacionados ao recuo.
Na entrevista a Fausto Silva, Huck fez comentários que levaram entusiastas de seu nome a considerar que ele ainda estava no jogo. Disse, por exemplo, que era preciso aproveitar o momento de “derretimento da classe política” para “reocupar esse espaço” e que não existe “salvador da pátria”.
Desta vez, o afastamento teve mais tempo de ser assimilado por líderes políticos e partidários com os quais ele mantinha interlocução. Os rumores de que ele preferiria assumir um horário na grade dominical da Globo a ingressar na vida pública ganharam impulso nas últimas semanas.
Faustão encerrará no fim de 2021 seu contrato com a emissora após 32 anos. Ele deve ter uma atração a partir de 2022 na Band. Huck, que está na Globo há 21 anos e comanda aos sábados o Caldeirão do Huck, há anos vinha sendo apontado como substituto natural do veterano.
O comunicador e empresário intensificou suas movimentações políticas no segundo semestre de 2019, já com Bolsonaro no poder. Cercou-se de pessoas com experiência em mandatos e campanhas eleitorais, priorizou aparições ligadas a temas mais sérios e se aproximou de um amplo arco de políticos.
Huck sinalizou mais claramente sua intenção de participar da eleição ao assinar em março, ao lado de outros cinco presidenciáveis, um manifesto pró-democracia.
O apresentador endossou o Manifesto pela Consciência Democrática ao lado dos ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Luiz Henrique Mandetta (DEM), dos governadores João Doria (PSDB) e Eduardo Leite (PSDB) e do ex-presidenciável João Amoêdo (Novo), todos avessos à dicotomia Bolsonaro-Lula.
Huck estreitou relações com pelo menos seis legendas, do Cidadania ao DEM, passando por PSB, PSD e Podemos, que poderiam também vir a filiá-lo para uma eventual candidatura. Ele, que nunca disputou eleição ou ocupou cargo público, não chegou a ingressar em nenhuma sigla.
Naquilo que descreve como uma jornada em busca de conhecimento, o agora ex-presidenciável teve contato com um conjunto ecumênico do ponto de vista ideológico.
Manteve interlocução, por exemplo, com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (recém-expulso do DEM), com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), e com o presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, que se interessava fortemente em levá-lo para a legenda.
Semanas atrás, o apresentador entabulou conversas privadas com o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) e com Eduardo Leite.
Na entrevista a Bial, Huck afirmou que passou por um processo de amadurecimento ao longo dos anos, sobretudo com as experiências proporcionadas pelo Caldeirão.
“Eu detesto algumas opiniões que eu tinha no passado, algumas coisas que eu falei no passado, que não faziam o menor sentido, mas o meu processo de amadurecimento foi no dia a dia, nas ruas, com as pessoas. Eu não consigo passar por um problema e não me sentir parte dele”, disse.
Em outra fala, no mês passado, o apresentador aproveitou entrevista em vídeo ao CLP (Centro de Liderança Pública), uma organização suprapartidária que atua em debates políticos e econômicos, para atacar o “lulopetismo” e demonstrar receio com o fracasso de uma terceira via.
“Se a terceira via for uma construção de bastidor, de gabinete, uma construção da elite pensante, ou elite econômica, que acha que tem o poder de influenciar a eleição, acho que nasce fadado à derrota”, discursou, pregando a necessidade de uma alternativa que “fale com a rua”.
Ao defender um candidato com um projeto “liberal, sim, mas progressista também, eficiente de um lado, mas afetivo do outro”, ele afirmou: “Isso vai ter que se materializar em alguém. Porque, se a dona Maria não achar que aquela pessoa representa a mudança para ela, ela prefere o Lula”.
“Eu realmente acho que eu posso contribuir na construção dessa terceira via. O Bolsonaro não é a renovação de nada, ele é o último capítulo de tudo que deu errado no Brasil. E eu acharia um retrocesso gigantesco o Brasil voltar ao lulopetismo, que a meu ver é o que nos colocou nessa situação hoje em dia”, afirmou.
E completou: “Acho que os dois projetos olham pelo retrovisor o país, e eu realmente acho que a gente tem que olhar para a frente”. Segundo ele, o fato de estar ou não na televisão não vai interferir em sua participação nos debates públicos, principalmente os ligados ao pleito do ano que vem.