O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma hoje (30) a continuação do julgamento referente à constitucionalidade do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Em junho deste ano, o julgamento foi suspenso após o ministro André Mendonça solicitar mais tempo para analisar o processo. Seguindo as regras internas do STF, ele teria até 90 dias para devolver o processo para o julgamento.
A contagem atual do placar está em 2 votos a favor e 1 contra o marco temporal. Edson Fachin e Alexandre de Moraes expressaram oposição à tese do marco temporal, enquanto Nunes Marques se posicionou a favor.
Ainda estão pendentes os votos dos ministros André Mendonça, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e da presidente do tribunal, Rosa Weber.
O cerne do julgamento gira em torno da discussão do marco temporal. Segundo essa tese, sustentada por proprietários de terras, os povos indígenas teriam direitos apenas sobre as terras que estavam em sua posse até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal, ou aquelas que estavam sob disputa judicial naquela época. Os povos indígenas são contrários a esse entendimento.
O processo em questão aborda a disputa pela posse da Terra Indígena (TI) Ibirama, em Santa Catarina. A área é habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e parte da terra é objeto de questionamento pela procuradoria do estado.
O ministro Alexandre de Moraes emitiu seu voto sobre o marco temporal antes da interrupção do julgamento, em 7 de junho. Ele se manifestou contra a tese do marco temporal, argumentando que o reconhecimento da posse de terras indígenas não depende de um marco temporal baseado na promulgação da Constituição de 1988.
Contudo, Moraes votou para garantir aos proprietários que detêm títulos de propriedade em terras indígenas o direito a uma indenização integral em caso de desapropriação.
Moraes também propôs que, se o governo federal não conseguir recuperar a terra indígena, seja permitido fazer a compensação com outras terras equivalentes, desde que haja “expressa concordância” da comunidade indígena.
Esse voto do ministro tem sido criticado por organizações que defendem os direitos indígenas. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) considera a tese “desastrosa” e potencialmente prejudicial às demarcações.
“A proposta do ministro Alexandre de Moraes prejudica a proteção dos direitos constitucionais indígenas. Além disso, coloca sobre os povos indígenas o peso de suportar os erros históricos cometidos pelo próprio Estado brasileiro, uma vez que a garantia dos direitos fundamentais sob suas terras de ocupação tradicional passará a depender da disponibilidade de recursos financeiros por parte do Estado brasileiro”, afirmou a entidade.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) também discordou da abordagem de Moraes, argumentando que a possibilidade de indenização ou compensação territorial aumentará os conflitos no campo.
“Como a União poderia pagar, através de indenização, por uma terra que já é de sua propriedade? A resposta é que isso seria inimaginável, porque essa figura é inexistente e não há espaço algum em nosso universo jurídico constitucional que a admita”, declarou o conselho.
A Apib convocou uma mobilização nacional para se opor à tese. Durante hoje e amanhã, a organização pretende acompanhar o julgamento em Brasília.
Na semana passada, o coordenador jurídico da Apib, Maurício Terena, esteve em Genebra, na Suíça, e se reuniu com representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) para evitar retrocessos.
“Solicitamos uma manifestação das Nações Unidas para que qualquer tentativa de conciliação que limite os direitos territoriais dos povos indígenas seja considerada uma violação dos tratados internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário”, afirmou.