O Papa Francisco mudou nesta terça-feira (1º) a legislação do Código de Direito Canônico do Vaticano, o sistema jurídico interno da Igreja Católica, para tipificar e criminalizar explicitamente o abuso sexual também de adultos e responsabilizar casos de omissão e negligência.
As novas disposições foram divulgadas após 14 anos de estudo e entram em vigor em 8 de dezembro. Elas incluem a possibilidade de punir padres que se envolvem em atos sexuais com qualquer pessoa, não apenas crianças, e leigos que ocupam cargos na Igreja Católica.
O Vaticano também criminalizou a “preparação” de menores ou adultos vulneráveis por padres para obrigá-los a se envolver em pornografia. É a primeira vez que a lei da igreja reconhece oficialmente como criminoso o método usado por predadores sexuais para construir relacionamentos com suas vítimas para, então, explorá-las sexualmente.
A lei também remove muito do arbítrio que permitia que bispos e superiores religiosos ignorassem ou encobrissem o abuso, deixando claro que eles podem ser responsabilizados por não investigar e punir adequadamente os padres.
Críticos diziam que o código, publicado em 1983, era totalmente inadequado para lidar com o abuso sexual na Igreja Católica e dava muito poder aos bispos, que tinham interesse em encobrir casos.
O Vaticano fez mudanças graduais ao longo dos anos para tentar resolver problemas e lacunas da legislação, exigindo que todos os casos fossem enviados à Santa Sé para revisão e permitindo um processo administrativo mais simples para destituir um padre se as evidências fossem esmagadoras.
Mais recentemente, o Papa Francisco já havia aprovado novas leis para punir bispos e superiores religiosos que não protegessem seus fiéis. Agora, o código penal incorpora essas mudanças e vai além.
Principais mudanças
As mudanças no Código de Direito Canônico do Vaticano agora criminalizam o abuso sexual de adultos por padres que se aproveitam de sua autoridade e incluem leigos que ocupam cargos na Igreja Católica, que poderão ser punidos por crimes sexuais semelhantes.
Padres que se envolvem em atos sexuais com qualquer pessoa — não apenas um menor ou alguém que não tem o uso da razão — podem ser destituídos se usarem “força, ameaças ou abuso de sua autoridade” para se envolver em atos sexuais.
O Vaticano há muito considera que qualquer relação sexual entre um padre e um adulto é pecaminosa, mas consensual, acreditando que os adultos têm livre arbítrio para oferecer ou recusar consentimento.
Mas, em meio ao movimento #MeToo e aos escândalos de seminaristas e freiras sendo abusados sexualmente por seus superiores, o Vaticano percebeu que os adultos também podem ser vitimados se estiverem em um relacionamento com desequilíbrio de poder.
Casos emblemáticos
Essa dinâmica foi claramente reconhecida no escândalo de Theodore McCarrick, ex-cardeal e ex-arcebispo de Washington, em 2018.
Mesmo que o Vaticano soubesse por anos que ele dormia com seus seminaristas, McCarrick só foi levado a julgamento depois que alguém se manifestou dizendo que havia sido abusado quando jovem.
McCarrick renunciou em meio às acusações e foi expulso do sacerdócio em 2019. Foi a primeira vez na história da Igreja Católica que um cardeal perdeu seu título por abusos sexuais.
No caso dos leigos, que não podem ser destituídos como padres ou bispos, as penalidades incluem perder seus empregos, pagar multas ou serem removidos de suas comunidades. Entre os exemplos de leigos estão administradores de igrejas, por exemplo.
A necessidade de mudar a legislação ficou clara no escândalo envolvendo Luis Figari, fundador do movimento conservador Sodalitium Christianae Vitae, que tem sede no Peru e 20 mil membros em toda a América do Sul e nos Estados Unidos.
Uma investigação independente concluiu que Figari era um narcisista paranoico obcecado por sexo e por observar seus subordinados suportando dor e humilhação. O Vaticano hesitou por anos sobre como sancioná-lo mas decidiu, em última instância, por removê-lo do Peru e isolá-lo da comunidade.