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Defesa do voto impresso é teoria da conspiração e negacionismo, diz vice-procurador

Renato Brill de Góes, vice-procurador geral eleitoral, criticou a defesa de voto impresso
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A defesa do voto impresso para as eleições presidenciais de 2022 é “teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia e da ciência que é a urna eletrônica”.

Essa é a opinião de Renato Brill de Góes, vice-procurador geral eleitoral, que é quem representa o Ministério Público junto ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

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Para Góes, a PEC 135/2019 sobre o tema, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), tem como objetivo “manipular e insuflar determinados segmentos da população e criar um estado de confusão mental sobre a realidade dos fatos”.

E ele alerta para riscos à democracia: “Se houver ou não voto impresso, vai haver algum tipo de questionamento, e nós precisamos estar todos alertas. O problema não é a urna eletrônica, e sim os atores políticos querendo de antemão dizer o que vai acontecer no futuro, são concorrentes da mãe Diná”.

O presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), defendem a aprovação da PEC. Bolsonaro, inclusive, já afirmou várias vezes que, sem registro impresso do voto, haverá fraude na eleição do ano que vem.

Para Góes, se o objetivo da PEC é aumentar a transparência eleitoral, ela deveria responsabilizar os candidatos que acusam supostas fraudes eleitorais sem nenhuma prova.

“Deveria estar previsto na legislação que, caso um candidato denuncie fraude sem apresentar indícios, e não sejam encontradas fraudes, ele tenha seu mandato ou candidatura cassados. Isso ajudaria a impedir que o voto impresso seja usado para outros fins.”

Na prática, não se trata do voto impresso diretamente, mas da impressão em papel de um comprovante do voto dado na urna eletrônica, que seria mantida normalmente nas eleições. Independentemente do mérito, sua implementação dificilmente seria possível até outubro de 2022, dada a complexidade da tarefa.

Além disso, o fato de a proposta ter sido feita em forma de emenda à Constituição torna ainda mais difícil o processo para sua aprovação, visto que ela precisaria ser aprovada em dois turnos tanto na Câmara como no Senado, com três quintos dos votos em cada uma das Casas do Congresso.

PERGUNTA – A discussão sobre implementação de voto com comprovante impresso é válida? Temos vulnerabilidades nas urnas eletrônicas?

RENATO BRILL DE GÓES – Não se justifica, na atual conjuntura, o Congresso estar discutindo essa PEC 135/2019 para adoção do voto auditável e impresso. A justificativa da PEC é dar maior publicidade, transparência e confiabilidade ao processo eleitoral. Isso tudo já temos hoje. Nós temos publicidade, nós temos transparência e total confiabilidade no processo eleitoral de votação e apuração através do modelo das urnas eletrônicas brasileiras.

O presidente Jair Bolsonaro vem dizendo que, a não ser que haja voto impresso em 2022, a votação não será confiável. Logo após a invasão do Capitólio em 6 de janeiro, por apoiadores do ex-presidente Donald Trump que questionaram o resultado da eleição, Bolsonaro afirmou: “Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.” Ele e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) defendem a PEC.

RBG – É uma premissa estranha e absurda. Como você pode prever o futuro, falar que vai haver fraude se não houver voto impresso? É teoria da conspiração aliada a negacionismo da tecnologia e da ciência que é a urna eletrônica, comprovadamente segura, confiável e eficiente.

Isso é o que mais me preocupa nessa questão da PEC. Ela parte de um pressuposto que é muito perigoso. Na verdade, esse voto impresso não vai ter o condão de neutralizar o ânimo desses grupos políticos que têm apontado fragilidades no sistema eleitoral brasileiro. Ao contrário. O voto impresso servirá para tumultuar o processo de apuração e totalização dos votos pelos candidatos que estiverem em desvantagem na disputa, o que será um grande atentado ao regime de Direito e ao Estado democrático.

A PEC do voto impresso vai subsidiar a disseminação de notícias falsas, com vistas a manipular e insuflar determinados segmentos da população e criar um estado de confusão mental sobre a realidade dos fatos. Esse talvez seja o grande mote dessa PEC -e não efetivamente buscar um avanço de transparência e confiabilidade.

Como eu disse, isso já existe hoje. Inclusive eu estava lendo a justificativa da autora da PEC, e, em 32 anos de Ministério Público, nunca vi uma justificativa de projeto de emenda constitucional que tivesse tantas colocações subjetivas e ofensivas a ministros do Supremo. Isso já demonstra que essa PEC está vindo em um momento muito estranho, com a finalidade não muito clara. Essa questão é muito séria, e o país precisa ter consciência sobre o que está acontecendo.

Nos Estados Unidos, em 2020, o ex-presidente Trump e o partido Republicano entraram com ações judiciais em diversos estados contestando os resultados e afirmando que teria havido fraudes. Os juízes, alguns deles indicados por Trump, não acolheram as ações ou emitiram decisões negando a existência de fraudes. O senhor acha que algo parecido poderia ocorrer no Brasil no ano que vem?

RBG – O problema é justamente esse. Qual é o interesse de substituir a tecnologia, a máquina, o software, a criptografia, onde não existe interferência humana em nenhum momento do processo, qual é o interesse em substituir tudo isso por uma judicialização do resultado das eleições?

Na prática, os candidatos vão levar os resultados para a Justiça Eleitoral, no caso das presidenciais para o TSE. Vão judicializar a validade ou não de resultados de determinadas seções, urnas, estados… O resultado das eleições passaria a depender de uma decisão judicial, gerando uma imensa insegurança jurídica. Que evolução é essa?

Caso a PEC seja aprovada na Câmara e no Senado, o Ministério Público Eleitoral pode fazer alguma coisa?

RBG – Caso aprovada essa PEC, partidos políticos e o procurador-geral da República podem entrar no Supremo. É possível. O Supremo já decidiu sobre duas ADIs [ações diretas de inconstitucionalidade, em 2018 e 2020] contra o voto impresso. Então, caso haja a aprovação e promulgação dessa PEC, ela pode ter questionada sua constitucionalidade no Supremo e, em última instância, o Supremo decidirá mais uma vez sobre o voto impresso.

Nesse caso, os defensores do voto impresso vão criticar o Supremo, dizer que está interferindo mais uma vez, decidindo sobre tema eleitoral…

RBG – Vai ser muito difícil que o Supremo mude de rumo. A mesma redação da PEC estava na última lei que foi apreciada pelo Supremo na ADI 5889, pelo relator Gilmar Mendes [em 2020, que considerou inconstitucional artigo da mini reforma eleitoral de 2015 que previa registro de voto impresso, dizendo que possibilita violar sigilo do voto]. É a mesma redação da lei de 2015, só que com status de PEC, então o resultado deve ser o mesmo.

Existe uma percepção de que, se o voto impresso não for aprovado, será usado para contestar o resultado da eleição de 2022. Como o Ministério Público Eleitoral está se preparando para isso? O presidente Bolsonaro e vários de seus aliados já disseram que, caso não haja comprovante impresso, a eleição será fraudada.

RBG – Uma coisa é você dizer que a eleição vai ser fraudada, outra coisa é apresentar indícios e provas. Falar podem falar o que quiserem. Mas vivemos em um estado democrático de direito, em que há o devido processo legal, normas a serem seguidas. Se você faz uma imputação dessa, para provocar o sistema Judiciário, é necessário apresentar minimamente indícios razoáveis da existência dessa fraude.

O TSE vai analisar este ano resoluções que vão vigorar na eleição de 2022. Uma sugestão interessante, até para se precaver, seria o TSE criar uma comissão de ministros da corte voltada ao processo de votação, apuração e totalização de votos, como existem três ministros do TSE responsáveis pela fiscalização da propaganda eleitoral. Um órgão próprio para receber esses questionamentos, um mecanismo a mais.

Foi discutida também a possibilidade de o TSE ampliar o número de urnas usadas na votação paralela, como mais uma garantia da segurança da votação…

RBG – Olha, primeiro essa PEC tem que ser aprovada, depois, o Supremo tem que julgar que ela não é inconstitucional, o que dificilmente vai acontecer. Mas, mesmo se julgasse constitucional, não seria factível implementar essa PEC nas eleições de 2022 por um motivo muito simples: não vai haver tempo hábil para o TSE fazer uma licitação desse porte.

São mais de 6.000 impressoras que precisam ser desenvolvidas. A empresa vencedora terá que criar do zero essas impressoras, que vão precisar ter um software para conversarem com a urna -que, aliás, é mais uma possibilidade de hackeamento. Vamos precisar de orçamento, de cerca de R$ 2 bilhões, da licitação, do software, e aí começar, no TSE, os testes, o treinamento das pessoas, para só depois implementar…

Mas daria para implementar um projeto piloto, com alguns milhares de urnas, não?

RBG – Sim, o máximo que poderia acontecer é implantar uma amostragem, como já foi feito, em 2012, em algumas seções do Distrito Federal e de Sergipe, e foi um fracasso absoluto.

Mas, por princípio, não seria bom o eleitor ter um comprovante a mais de seu voto, poder ver em um registro impresso que seu voto foi registrado corretamente?

RBG – Sim, mas esse local onde ficam os comprovantes tem que ser como um cofre hermético, não pode ter interferência humana. O eleitor vai só enxergar -ninguém vai poder tocar nesse papel, que cai automaticamente dentro dessa impressora, que precisa ser como um cofre indevassável.

Agora, já que alguns gostam de teoria da conspiração, vamos supor que o eleitor, de má fé, interesse político, diga que o comprovante está errado. Ele chama o presidente da seção e diz que o comprovante não corresponde ao voto dele. Como vão responder a isso?

Isso vai dar margem de ação aos grupos que apontam a fragilidade atual, isso pode ocorrer nos estados onde esses grupos têm menos votos, ou seções eleitorais onde eles têm menos apoio. O partido se aproveita disso para contestar resultado e isso pode se multiplicar em seções. Essa PEC vai trazer um problema para o regime democrático atual. Em 25 anos da urna, não se comprovou nenhuma falha até hoje.

Na sua opinião, qual é o objetivo dos grupos que estão propondo ou defendendo esta PEC?

RBG – Pelas declarações dadas publicamente, meu receio é que essa PEC do voto impresso, em vez de apaziguar os grupos políticos, como eles já adiantaram que vai ter a fraude, eles querem o voto impresso justamente para, no caso de margem apertada, potencial derrota, de qualquer partido político, vão usar o voto impresso para pedir recontagem de voto. Ou seja, vai, no final, transmudar a votação eletrônica brasileira na votação que tínhamos na República Velha, com cédulas, e aí podem sumir votos, podem aparecer votos…

Mas é muito pequena a chance de isso passar. Se não houver a aprovação, eles dirão que há fraude.

RBG – Dizer eles podem dizer, mas precisam comprovar. Aliás, se a preocupação do Congresso ao propor a PEC é a transparência, acho que ela deveria ter um artigo para cobrar a responsabilidade dos candidatos. Deveria estar previsto na legislação que, caso um candidato denuncie fraude sem apresentar indícios, e não sejam encontradas fraudes, ele tenha seu mandato ou candidatura cassados. Isso ajudaria a impedir que o voto impresso seja usado para outros fins.

O fato de eles insuflarem isso, passarem essa desinformação sobre supostas fraudes, vai criar confusão mental em uma parcela da população que vai ser insuflada a fazer manifestações, que vai atentar contra o próprio regime democrático. Se houver ou não voto impresso, vai haver algum tipo de questionamento, e nós precisamos estar todos alertas. O problema não é a urna eletrônica, e sim os atores políticos querendo de antemão dizer o que vai acontecer no futuro, são concorrentes da mãe Diná.

Renato Brill de Góes

Tem 55 anos, é vice-procurador-geral eleitoral e está no Ministério Público há 32 anos.

Formado em Direito pela PUC de Goiás, foi Procurador Regional Eleitoral do DF de 2009 a 2012.

Foi promovido a Subprocurador-Geral da República em 2016.

ALGUNS DISPOSITIVOS DE SEGURANÇA DA URNA

  • Uso de criptografia
  • Código certifica que o sistema da urna é o gerado pelo TSE e não foi modificado
  • Somente o sistema do TSE pode funcionar na urna
  • O sistema da urna fica disponível para consulta pública por seis meses
  • Em Testes Públicos de Segurança, especialistas tentam hackear o equipamento e apresentam as falhas encontradas para o TSE corrigir
  • Urnas selecionadas por sorteio são retiradas do local de votação e participam de uma simulação da votação, para fins de validação
  • Sistema biométrico ajuda a confirmar identidade do eleitor
  • “Log”, espécie de caixa-preta, registra tudo o que acontece na urna
  • Impressão da zerésima e boletim de urna
  • Processo não é conectado à internet
  • Lacres são colocados na urna para impedir que dispositivos externos (como um pendrive) sejam inseridos
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