A carreira de Ronaldo Nazário, 45 anos, como jogador se encerrou em 2011, mas, antes disso, ele já havia se iniciado na atividade de empresário. Essa faceta o acompanha desde a segunda metade da trajetória dentro dos gramados. Mas, assim como um atleta, ele foi ganhando experiência e aprendendo a se posicionar cada vez melhor em sua área.
A vida empresarial de Ronaldo se iniciou formalmente em 1998, naquele que seria o seu ano mais difícil dentro de campo, quando teve uma convulsão antes da final da Copa do Mundo na França e, mesmo assim, entrou em campo. O atacante parecia sentir que toda aquela cobrança, que chegava a afetar o seu bem-estar, tinha de ter um plano B, caso, por contusão, questão de saúde ou até um encerramento natural da carreira, fosse preciso gerir uma nova vida. Ronaldo anunciou sua aposentadoria aos 34 anos.
Então vieram empreendimentos como a boate R9, em 1998, já extinta, no Leblon, e o centro de fisioterapia R9, criado em 2002 e ainda ativo no Rio de Janeiro, após ele se recuperar de ruptura no joelho e ser campeão mundial. Eram negócios ligados à própria vida de Ronaldo: o gosto pela diversão com amigos e a preocupação em cuidar do corpo, principalmente em relação à recuperação física.
Já em 2010, em meio à sua trajetória no Corinthians, por onde atuou entre 2009 e 2011, após jogar no Milan, ele investiu na empresa de marketing 9ine, que passou a gerir a carreira de atletas e de artistas. Foi mais uma etapa em que ele espelhou novamente um tema ligado à própria vida: como lidar com as idas e vindas de uma carreira bem-sucedida, ou promissora, para que ela não se perdesse na empolgação e na falta de planejamento. A empresa também não teve continuidade. Ronaldo abria e fechava seus negócios, sempre sem revelar o tamanho dos investimentos. Ele sabia usar sua imagem e ela era uma porta aberta para parceiros e divulgação.
“Quando ele chegou ao Corinthians, ele já era gestor de um patrimônio empresarial grande. Tinha uma equipe que cuidava dos contratos dele e, como nenhum outro atleta, tinha uma consciência muito intensa sobre como utilizar os proventos que recebia. Essa consciência era voltada para lidar bem com questões de patrocínio, contratos, assuntos ligados diretamente à sua rotina de jogador. O engajamento empresarial, ligado à gestão do futebol como um todo, veio depois que ele parou de jogar”, conta o economista Luis Paulo Rosenberg, ex-diretor de marketing do Corinthians e um dos maiores responsáveis pela contratação de Ronaldo em 2008.
ESTRATÉGIA DE MARKETING – A própria passagem de Ronaldo pelo Corinthians acabou dando muitos subsídios ao craque em sua atuação fora dos gramados. A iniciativa da diretoria corintiana, na época, serviu como uma prévia do que seria um clube-empresa, mais voltado a uma administração profissional.
Por alguns anos, o Corinthians passou a gerir enormes receitas de patrocínio que levaram o clube a sair da Série B do Campeonato Brasileiro e se tornar uma “potência mundial”, tanto do ponto de vista esportivo quanto de marketing. Tudo isso foi impulsionado pela chegada de Ronaldo, que deu início a uma nova era no Parque São Jorge. Até a festa de sua apresentação, sua chegada era tida com muita desconfiança. Mas Ronaldo viu no Corinthians uma oportunidade.
“Não sabia se a contratação do Ronaldo iria dar certo. Mas sabia que, se desse certo, seria um estouro, um marco. E deu. Marketing tem disso, é preciso se basear em alguns conceitos para levar um projeto adiante. E a base foi o parecer do médico, do técnico e do marketing”, diz Rosenberg.
Ele conta que, na ocasião, o médico Joaquim Grava afirmou que a cirurgia do Ronaldo no joelho era reversível. O técnico Mano Menezes, consultado, disse que, mesmo acima do peso (nunca revelado), se Ronaldo jogasse 50% do que poderia tecnicamente, já seria o melhor do Brasil. E, do ponto de vista do marketing, seria um bom negócio para todos.
“Foi uma coincidência entre questões médicas, técnicas e mercadológicas. E tudo deu certo porque o Ronaldo, que não era de se envolver pelas torcidas dos clubes anteriores, se apaixonou pela Fiel, que o impressionou”, afirma.
O ex-diretor conta que não aconselhou mais Ronaldo após o encerramento da carreira dele como jogador. “Não falei mais nada com o Ronaldo sobre negócios no futebol. Quando ele jogava pelo clube, em decisões econômicas mais sérias, ele me pedia opinião e eu ajudava.”
Já como aposentado e mais pesado, Ronaldo não teve uma experiência bem-sucedida ao adquirir em 2014 o controle do Fort Laudardale Strikers, antigo Miami F.C, um time de futebol dos Estados Unidos, que acabou falindo. O ex-atacante, porém, manteve o perfil empreendedor e continuou expandindo seus negócios.
Atualmente, ele mantém a Ronaldo Academy, uma franquia de escolas de futebol com 25 unidades no Brasil e três no exterior; o Futebol Experience, um dos principais eventos digitais de futebol do mundo, e abriu outra empresa para orientar investimentos de atletas, a R9 Gestão Patrimonial e Financeira.
Também possui uma ONG, a Fundação Fenômenos, que desenvolve e apoia projetos sociais, cujas informações são veiculadas no canal Ronaldo TV, no Twitch. “Quando a pandemia começou, o isolamento me levou a emergir com mais profundidade no mundo dos games. Passei a jogar mais e fui sentindo uma necessidade cada vez maior de me conectar com os fãs, interagir, retribuir. Assistir a lives também virou rotina, fui me interessando mais pelo universo virtual e pela forma como os jovens estão conectados, mudando hábitos e, consequentemente, padrões de consumo. Foi vivendo esse processo que surgiu a ideia da Ronaldo TV”, disse Ronaldo, recentemente.
CLUBES EM DIFICULDADE – No início de 2021, Ronaldo inaugurou a Oddz Network, junto com os sócios Eduardo Baraldi, Otávio Pereira e Gabriel Lima. A empresa é uma holding (que tem participação acionária em outras empresas), em atividades que vão além das realizadas pela agência de marketing esportivo e entretenimento Octagon, também de propriedade do atacante.
Atuando em novos formatos de entretenimento, a Odzz trabalha com temas como big data, games, eSports, gestão e experiências esportivas, tecnologia e produção de conteúdo audiovisual.
Outra holding da qual Ronaldo é proprietário é a Tara Sports, sediada em Madri, na Espanha. A Tara já está atuando na gestão do Valladolid, do qual Ronaldo tem a maior parte das ações. O clube estava na primeira divisão, mas que caiu na temporada passada.
E, caso a compra seja concluída, foi a empresa que adquiriu os 90% do controle do Cruzeiro, negócio anunciado no último dia 18 por R$ 400 milhões, com a missão de pagar 60% da dívida do clube em seis anos. A dívida estimada é de R$ 1 bilhão.
Para Rosenberg, esse novo modelo no futebol é muito bem-vindo, mas, segundo ele, o ideal seria que fosse implementado antes em clubes com melhor saúde financeira. “O exemplo e a iniciativa são as certas, mas estão ocorrendo, neste momento, na direção errada. É lamentável os investidores chegarem para uma reestruturação financeira com clubes altamente endividados, tendo de começar pensando em até dar calote. O ideal seria começar por clubes que estão em melhores condições. Eles utilizariam o capital para crescer ainda mais, acrescentando na gestão. Mas, se nesse momento, pode servir para clubes como Cruzeiro e Botafogo, espero que seja uma boa saída”, observa.
Com a experiência de Ronaldo no Valladolid, Rosenberg acredita que o profissional, entre erros e acertos, está pronto para comandar a reestruturação do Cruzeiro. “Se tem alguém que pode impulsionar uma virada no Cruzeiro, esse alguém é o Ronaldo. Ele já adquiriu certa experiência e tem um ótimo suporte técnico. É a pessoa ideal. A paixão não atrapalha. É só ver o futebol inglês, totalmente apaixonado e profissional ao mesmo tempo. A torcida e o gestor querem títulos. Só que o gestor tem uma estratégia de longo prazo”, diz Rosenberg.
O Ronaldo empresário não tem o perfil de alguém intempestivo. Ele prima pela cautela, por pensar antes de falar e se cercar de profissionais mais qualificados do que ele para direcioná-lo. Diferentemente de suas características como jogador, com suas arrancadas, sua velocidade e explosão muscular, que, impetuosas, não deixavam rastro.
“Ronaldo é um empresário cauteloso, longe de ser precipitado ou desajuizado. Tem muito cuidado ao investir”, observa Rosenberg. Para ele, Ronaldo é um homem calculista, que busca o momento certo para finalizar um negócio. Por isso, quando uma notícia é anunciada, ela até parece surpreendente, mas ele já juntou todas as peças e está mais do que seguro para realizá-la.